Texto e fotos por Gil Ramos, fotógrafo, pai de Léo e Bia
Num recente trabalho que fiz para o Consulado da Mulher, fui inocentemente arrebatado por uma experiência maravilhosa, em duas comunidades bem pertinho de onde vivo e com as quais tenho relativamente pouco contato.
Em Lauro de Freitas conheci as Lavadeiras da Lavanderia Comunitária Nossa Senhora de Fátima e em Feira de Santana o Grupo Saberes e Sabores – Produtos da Terra As mulheres são assim, fantásticas! Disso todo mundo já sabe… O que alguns esquecem, entretanto, é quão fantásticos podem ser os seus gestos, suas atitudes e sua perseverança.
Conheci mulheres assim neste outubro rosa de 2014, mulheres simples, mulheres fortes. Sabe aquelas mulheres com rugas que contam histórias, pois bem, foram algumas destas que eu conheci.
Em cada uma delas conheci pessoas aguerridas, mas doces, fortes, mas delicadas, bravas, mas tímidas, daquela timidez simples do tipo “não mexe comigo”, mas senta aí pra gente conversar.
Na lavanderia fui recepcionado por um carinho regado por café quente, preto e “se quiser leite pego lá dentro”, teve bolo também. Tanta simplicidade, que não seria vergonha nenhuma ofertar-me apenas um bom dia.
Sentei, ainda com a câmera guardada, pelo simples prazer de tomar um café com conversa, mergulhar na história delas e quem conhece bem estas mulheres sabe que não dá pra perder esta oportunidade. Elas falavam todas ao mesmo tempo, com as mãos no regaço e olhando-me de soslaio, ainda desconfiadas do que eu lhes tiraria, levando comigo nas fotografias. Colhi sorrisos…
D. Messias era a mais ativa, nem parecia estar no auge dos seus mais de oitenta anos e como ela disse: “Deus deve gostar de mim, pois fico doente, daquele jeito ‘morre não morre’ e quando pensam que eu vou, olha eu aqui!”.
Prontamente isto fez meus problemas tornarem-se etéreos e esvanecerem, ou pelo menos a sensação de grande magnitude que lhes reputo. Não sei por que, mas aquela senhora tocou meu coração…
“O Consulado” colaborou com o projeto delas. “Meu filho, mais de cinquenta anos de lida, lavei muita roupa na mão, no rio, você sabe o que é isso?”. Realmente, não sei, sequer
imagino tanto sofrimento. A vida não deveria ser tão dura para uma senhora com rugas tão densas. “Nem imaginava ter lavadora [de roupas] e agora temos, tem até secadora também, agora trabalhar é uma beleza!”. Que maravilha, esta felicidade de quem já devia há muito ter parado de trabalhar para gozar alguns prazeres da vida inspirou-me deveras. Sua gratidão, mais ainda.
As lavadeiras não só lavam e secam roupas, mas também bordam, passam, costuram, rezam e labutam com este universo que envolve as roupas de uma maneira especial, quem dera tivessem mais orientações educacionais para lograrem mais êxito e obterem mais oportunidades em sua caminhada…
Minimizando sua perseverança ela salientou o quanto Na outra comunidade, fui recebido por música, numa canção que nunca havia ouvido antes, mas que falava do amor, o que me surpreendeu ainda mais, pois numa terra árida, castigada pelas dificuldades de um viver pobre, a última coisa que eu esperava ouvir eram palavras doces. Elas ainda falaram que me amavam e pediam para eu retornar.
Vejam bem, eu nem havia chegado direito, já era amado e pediam o meu retorno. Timidamente entreguei-lhes meu melhor sorriso e verdadeiro e feliz, pois já havia me esquecido das três horas e meia e trânsito de um trajeto que deveria ser feito em apenas uma e meia.
Pedi café, não tinha. Fizeram um especialmente pra mim. Na hora. Mais rápido que um burst de minha câmera. Que café! Pois depois que tive filhos, tomo meio litro de café por dia, para cada filho! Ainda bem que são apenas dois, hahaha
As fotos fluíam naturalmente, como se elas fossem estrelas acostumadas a enfrentar as lentes. De fato elas são estrelas, mas daquelas que enfrentam muito mais, sem medo, construindo um mundo melhor.
E eu vi nascer um sonho, vindo de um único fogão novinho, fabricado por muitas mãos, na forma de sequilhos, pães, docinhos e eu nem imaginaria que comeria tudo depois, levaria mais pra casa e tomaria café no dia seguinte com este sabor de vida vivida ao som de música de amor.
Ainda tem costura, crochê e artesanato, pois são estrelas artistas, que não reclamam da vida apenas, como eu por vezes faço, elas atuam na própria transformação de suas famílias e de sua comunidade, trabalhando duramente.
“Depois que ‘O Consulado’ chegou e doou tudo isso aqui, fomos pra pista e vendemos”. Quem não viu o que eu vi, sequer pode imaginar como um fogão, um freezer, uma geladeira, um micro-ondas “novinhos” podem transformar uma comunidade inteira. Claro que esta comunidade precisa ser como aquela, não poderia dar certo com qualquer uma, pois há que se querer trabalhar.
Mas eu vi olhos que falavam de cursos feitos, de realizações, de melhorias; vi casas sendo construídas e reformadas e ampliadas e melhoradas com o fruto deste trabalho. Vi mãos construindo sonhos tão simples e efetivos, carregando-os para uma “vendinha” ou sendo “encomendados” por tantos clientes que elas querem ter…
Voltei ainda mais feliz para casa, beijei os filhos após um trânsito de quatro horas, pior que o que peguei na ida, mas sem o mesmo sentimento ruim, enfrentei-o com a música que ouvi e no dia seguinte minha esposa ligou para agradecer os quitutes enviados e que foram saboreados pela nossa família.
O agradecimento antes do tchau tem que ser o meu. Também ao Consulado da Mulher, pois se eu não tivesse sido contratado para este job, um dentre tantos que nós fotógrafos profissionais somos contratados cotidianamente para realizar, não teria tido esta grata oportunidade de aprender e ser um humano melhor.
Espero sinceramente que este texto e estas imagens façam chegar ainda mais ajuda para estas mulheres de rugas que contam histórias, pois elas continuarão com ou sem a nossa ajuda, mas estejam certos, caros leitores, que se elas puderem contar com a nossa ajuda, as nossas vidas e não somente as delas, de suas famílias de suas comunidades serão mais dignas e intensamente vividas, pois tanto o sonho da felicidade quanto o endereço comum neste planeta é o mesmo para todos nós.
Já se passaram quase quarenta anos de minha vida, mas não me surpreendo como eu aprendo com pessoas assim, também com as crianças, mas isto já é outra história que um dia também vou contar. Por hora, tenho vívida a lembrança do aprendizado com aquelas mulheres que empreendem, cooperam, crescem, evoluem e não perdem a humildade.
Estas histórias me fizeram lembrar um poema, A Canção do Tamoio de Antônio Gonçalves Dias, declamado muitas vezes por meu pai, na minha mais tenra infância e que transcrevo apenas o iniciozinho para vocês:
Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar.
Conheça mais sobre o trabalho de Gil Ramos em www.fotografo.art.br
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